O conflito travado entre Jesuítas e Câmara da Cidade
Thalita de Moura Santos Maia
Resumo:
Com a instituição do sistema de capitanias hereditárias na década de 1530
encontramos o primeiro ponto de intercessão entre a história das sesmarias portuguesas e a
história do Rio de Janeiro. As constantes invasões francesas na região levam ao estabelecimento de uma estratégia de povoamento mais sólida, com a fundação da cidade e a doação de sesmarias em seu entorno. Entre sucessivas concessões feitas ainda no século XVI merecem destaque a feita a Câmara da cidade com o intuito de servir de rocio e abastecimento da cidade e a feita a Companhia de Jesus, que seriam personagens de um conflito que se prolonga até o século XVIII. Sendo a posse da terra uma expressão de poder político e de prestígio este trabalho pretende investigar os interesses envolvidos no prolongamento da questão, além de perceber as estratégias de negociação que se estabelecem entre os poderes envolvidos.
Palavras chave: Relações de Poder; Rio de Janeiro; Concessão de terras.
Parte de meu projeto de conclusão de curso, pretendo demonstrar com este trabalho que as tentativas da Coroa em regularizar a posse das terras no Brasil a partir do século XVII encontram eco na querela travada entre a Companhia de Jesus e o Senado da Câmara do Rio de Janeiro por terras situadas na região do Mangue de São Diogo. Devo lembrar que minhas pesquisas estão em curso, portanto o que trago ainda são hipóteses e não conclusões.
Não cabe aqui nos alongarmos nos pormenores da fundação da cidade do Rio de
Janeiro. Somente nos interessa lembrar que logo após a fundação da cidade, em 1 de julho de 1565, a Companhia de Jesus recebe uma sesmaria de terras das mãos de Estácio de Sá. Alguns dias mais tarde, em meados desse mesmo mês, é o Senado da Câmara também recebe terras para cultivo, abastecimento e moradia de seus povoadores.
O conflito tem início em meados do século XVII. Em um contexto de maior estabilidade, a cidade do Rio de Janeiro cresce econômica e populacionalmente. Como conseqüência, a questão da Câmara obter domínio pleno de seu território para destiná-lo ao uso comum torna-se ainda mais relevante; daí a necessidade de medir e demarcar as terras do Concelho.
Percebe-se nesse primeiro processo de medição que as terras dos jesuítas invadiam as terras do Senado da Câmara em 42% (CAVALCANTI, 2004: 59). Sabe-se que a medição de 1667 não chegou ao seu termo e o ouvidor responsável foi preso. A causa da Câmara é então lançada ao silêncio, permanecendo a situação anterior que beneficiava os jesuítas.
A partir do século XVIII a Câmara do Rio de Janeiro agrava-se a crise da Câmara do Rio de Janeiro. Tal crise anunciava-se desde o século XVII, e a essa altura seria de grande valia que a Câmara recuperasse seu patrimônio, a essa altura usurpado não só pela Companhia de Jesus, bem como por diversas outras apropriações indevidas. Os prejuízos eram grandes, e após a instituição do foro (22.12.1695), as rendas do Senado provinham basicamente deste tributo cobrado sobre suas terras. Havia, portanto um componente econômico relevante associado às tentativas de regularização de suas possessões.
Uma nova medição é solicitada pela Câmara em 1711, que conquista no ano seguinte uma provisão régia determinando a demarcação das terras do Concelho da cidade. No entanto essa provisão só é cumprida em 1751, em virtude das intempéries e prejuízos enfrentados pela cidade após as invasões francesas. É também durante esse período que crescem as animosidades e desconfianças entre os administradores da cidade e capitania do Rio de Janeiro e os Jesuítas. Mesmo com as ordens de medição e as tentativas de solucionar o problema vindas de Portugal a influência dos religiosos no exercício do poder era grande,
conseguindo atrapalhar o cumprimento das ordens reais e, em 1754, ter a posse definitiva das terras que, segundo a carta de sesmarias escrita por Diogo de Oliveira, pertenceriam a Sesmaria da Câmara.
A questão da demarcação definitiva e tombo das terras da Câmara do Rio de Janeiro insere-se em um contexto de crescentes tentativas de regularização das concessões de terras na Colônia. Não se pode desconsiderar que Jesuítas e Camaristas ou mesmo outros oficiais régios envolvidos no processo tivessem interesses em liquidar ou prolongar a questão, mas o que as fontes demonstram é um forte desejo da Câmara em ver regularizada a questão de suas terras e, conseqüentemente sanar as necessidades da população.
O fato pode ser associado às tentativas de neutralizar a influência dos Jesuítas na
colonização do Rio de Janeiro. Além de prestar notáveis serviços sociais à população carioca, a Companhia de Jesus era notável proprietária de bens que não se restringiam à primitiva sesmaria doada por Estácio de Sá, mas também englobavam diversos imóveis urbanos. Vale destacar que os Jesuítas receberam apoio e financiamento da Coroa para se instalarem no Rio de Janeiro, além de inúmeros privilégios como o pagamento de ordenados aos religiosos, a dispensa dos dízimos sobre a utilização de suas terras, prazos diferenciados para aproveitamento destas, doações de terrenos, e a prerrogativa de instituir processos sumários no caso de invasão de suas propriedades (FRIDMAN, 1999: 26-28).
Em princípios do século XVIII e atrelado à descoberta do ouro nas Minas Gerais,
Em princípios do século XVIII e atrelado à descoberta do ouro nas Minas Gerais,
a cidade do Rio de Janeiro tem seu crescimento urbano impulsionado. Como conseqüência desse crescimento urbano os pedidos de sesmaria no perímetro urbano da cidade aumentam na primeira metade deste século. A área de povoamento da cidade também se expande, chegando à região do Campo da Cidade (FREIRE, 1912: 75). Nesse contexto a Coroa demonstra interesse nas áreas de expansão, visto que o fenômeno não ocorre somente na cidade do Rio de Janeiro, bem como no Caminho Novo para as Minas Gerais. Regulamentá-las seria fundamental para garantir que o sistema sesmarial cumprisse com suas rerrogativas iniciais de colonização e aproveitamento das datas, colocadas pela lei de D. Fernando. Com a carta régia de 25.2.1702 (AN, cód. 952, vol. 13), os sesmeiros eram convocados a resentar seus respectivos títulos no prazo de seis meses e determinava a demarcação dos lotes em 2 anos. No ano seguinte, em 7.3.1703 (AN, cód. 952, vol. 13) enfatizava a obrigação de exploração agropecuária, pelo beneficiário, em 2 ou três anos, como condição de concessão.
Tais determinações são freqüentemente relembradas nas concessões de sesmarias feitas no perímetro urbano da cidade do Rio de Janeiro desse período. (AN, cód. 114). As cartas de sesmaria da primeira metade do século XVIII demonstram claras intenções de se erguer casas para aluguel no perímetro urbano da cidade. Os governadores afirmam que esta era uma necessidade na urbe carioca, e que ceder terras a quem pudesse fazê-las seria útil ao bem comum da cidade. (AN, cód. 114) Mesmo tentando impor seu controle sobre a distribuição e aproveitamento das terras da Colônia, a Coroa não tinha meios de controlar a especulação sobre as terras das áreas centrais da cidade do Rio de Janeiro.
Tais determinações são freqüentemente relembradas nas concessões de sesmarias feitas no perímetro urbano da cidade do Rio de Janeiro desse período. (AN, cód. 114). As cartas de sesmaria da primeira metade do século XVIII demonstram claras intenções de se erguer casas para aluguel no perímetro urbano da cidade. Os governadores afirmam que esta era uma necessidade na urbe carioca, e que ceder terras a quem pudesse fazê-las seria útil ao bem comum da cidade. (AN, cód. 114) Mesmo tentando impor seu controle sobre a distribuição e aproveitamento das terras da Colônia, a Coroa não tinha meios de controlar a especulação sobre as terras das áreas centrais da cidade do Rio de Janeiro.
Expandindo-se para o Campo, a cidade e seus povoadores aproximavam-se cada vez mais das posses dos jesuítas e da área de conflito entre a Câmara e os religiosos. No último quartel do século a urbe carioca já alcançava o manguezal que servia obstáculo natural para afastá-la das terras dos jesuítas. (CAVALCANTI, 2004: 30).
Essas informações nos fazem crer numa maior interferência de particulares no atraso da definição da questão. A essa altura os religiosos eram importantes produtores rurais onde sua sesmaria era muito próspera e contribuía para o abastecimento da cidade. Apossar-se de terras no “campo da cidade”, em áreas próximas aos religiosos poderia significar privilégios comerciais entre outras facilidades. É importante ressaltar, contudo que a influência da ordem era tamanha que isto pode ter contribuído também de maneira inversa: dado o grande progresso das possessões da Companhia, esta passou a ser vista por muitos comerciantes e senhores de engenho como uma grande concorrente. Assim, esses interesses particulares
também seriam beneficiados com uma decisão desfavorável aos religiosos no processo de medição e demarcação das terras do Senado.
Fato é que a expansão da cidade foi benéfica a esses interesses individuais.
Crescia a área de domínio urbano da cidade em um momento em que cresciam também seus negócios imobiliários. Os proprietários investiam na drenagem e melhoramentos urbanos da região, desonerando a Câmara neste sentido; em troca obtinham os lucros tirados dos alugueis e o prestígio de apossarem-se de terras próximas ao centro de poder carioca.
Vale levantar por fim que as determinações posteriores relacionadas à distribuição
de terras eram cumpridas na medida em que beneficiavam aqueles que pediam terras ao governo. Pelas cartas de confirmação percebe-se que as condições de aproveitamento, o prazo estipulado para este e os pré-requisitos para se receber uma sesmaria eram conhecidos pelos suplicantes.
Por hora, a hipótese que parece se confirmar é a de que protelar a questão seria
algo benéfico aos jesuítas e aos particulares. Prejudicados saíam a Câmara e a Coroa: a primeira porque recebia foros irrisórios por terras que rendiam alugueis altíssimos a seus proprietários, e a Coroa porque, já no avançar do terceiro século da colonização do Rio de Janeiro não conseguia ver cumprida sua doação e suas determinações passadas ainda em princípios do século XVII.
Referências:
Arquivo Nacional. Cartas Régias de 25/12/1702 e 7/03/1703. Coleção de Cartas Régias...,
Secretaria de Estado do Brasil, Códice 952, vol. 13.
______. Relação das Sesmarias Concedidas pelo Governador da Capitania do Rio de Janeiro
dentro dos limites da Cidade (1692-1739). Códice 114.
CAVALCANTI, Nireu Oliveira. O Rio de Janeiro Setecentista. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004.
FERREIRA, João da Costa. A cidade do Rio de Janeiro e seu termo. Prefeitura da cidade do
Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1993.
FREIRE, Felisbelo. História da Cidade do Rio de Janeiro. vol. 1 Rio de Janeiro: Tipografia
da Revista dos Tribunais, 1912.
FRIDMAN, Fania. Donos do Rio de Janeiro em nome do Rei. Uma história Fundiária da
cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, Editora Garamond, 1999.
LIMA, Ruy Cirne. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas.
Brasília: ESAF, 1988.
LOBO, Roberto J. Haddock (org.), Tombo das terras municipais que constituem parte do
patrimônio da ilustríssima Câmara Municipal da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Tomo I. Rio de Janeiro: Tipografia Paula Brito, 1863.
PORTO, Costa. Estudo sobre o Sistema Sesmarial. Recife: Imprensa Universitária, 1965.
SANCHES, Marcos Guimarães. Proveito e Negócio. Regimes de Propriedade e
Estruturas Fundiárias: o caso do Rio de Janeiro entre os séculos XVII I e XIX.
Tese de doutoramento. Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 1997.
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário