Deoclécio Leite de Macedo - Rio de Janeiro - 2007
Histórico dos Ofícios
O primeiro ofício de tabelião público do Judicial e Notas do Rio de Janeiro, de acordo com o costume português, foi criado juntamente com a cidade, pelo capitão Estácio de Sá, em 1º de março de 1565. Pero da Costa foi nomeado seu primeiro serventuário.
Por provisão de Mem de Sá, em 20 de setembro de 1565, foi anexado a esse ofício o de escrivão das Sesmarias. Pero da Costa renunciou, então, ao ofício de tabelião do Judicial, acumulando, somente, as funções de tabelião de Notas e escrivão das Sesmarias.
Em 2 de dezembro de 1565, Miguel Ferrão recebeu provisão do governador geral, na Bahia, para o ofício de tabelião do Judicial e Notas, em conseqüência da renúncia de Pero da Costa. Aparentemente, não seguiu de imediato para o Rio de Janeiro, pois sua provisão só foi concertada nesta cidade em 30 de novembro de 1566 e, em 16 de setembro daquele ano, já havia sido nomeado Gaspar Rodrigues de Góes, por provisão do governador da capitania, para o ofício de tabelião do Judicial, que até então estava vago.
Os acontecimentos que se seguiram à chegada de Miguel Ferrão ao Rio de Janeiro são obscuros. Ficou claro apenas que, nesta ocasião, passam a atuar três tabeliães na capitania: Pero da Costa, tabelião de Notas e escrivão das Sesmarias, no 1º Ofício; Gaspar Rodrigues de Góes, tabelião do Judicial, naquele que se tornaria o 3º Ofício; e Miguel Ferrão, tabelião do Judicial e Notas, no 2º Ofício. O 3º Ofício é citado algumas vezes como sendo o primeiro ofício do Judicial e Notas. Tal fato, acrescido do extravio dos livros de registro relativos a diversos períodos, gerou, ao longo do tempo, equívocos quanto à sucessão dos tabeliães do 1º e 3º Ofícios.
As atribuições do 2º e 3º Ofícios variam, ora Judicial, ora Judicial e Notas, até 1618, quando ambos passam a ter as mesmas atribuições, Judicial e Notas. O 4º Ofício foi criado através de resolução régia de 29 de maio de 1654, atendendo à solicitação dos oficiais da Câmara, do ouvidor e do governador da capitania do Rio de Janeiro.
Em 22 de janeiro de 1664, de acordo com o ouvidor-geral Sebastião Cardoso de Sampaio, havia na capitania do Rio de Janeiro quatro ofícios de Justiça: o 1º Ofício, tabelião de Notas e escrivão das Sesmarias e dos Órfãos, servido por José Correia Ximenes, cuja propriedade pleiteava Antônio de Andrade; o 2º Ofício, tabelião do Judicial e Notas e escrivão da Câmara, de propriedade de Jorge de Sousa Coutinho, o velho; o 3º Ofício, tabelião do Judicial e Notas, cuja propriedade era pretendida por Manuel de Carvalho Soares; e o 4º Ofício, tabelião do Judicial e Notas, ocupado pelo proprietário Domingos da Gama Pereira. 12 Tabeliães do Rio de Janeiro do 1º ao 4º Ofício de Notas: 1565-1822.
Naquela ocasião, já havia sido concedida a propriedade do 1º Ofício, por carta régia, a Antônio de Andrade, mas esta só recebeu o cumpra-se, no Rio de Janeiro, em 29 de março de 1664.
O 1º Ofício manteve as atribuições de tabelião de Notas e escrivão das Sesmarias até ser extinta a escrivania das Sesmarias, pela lei nº 601, de 18 de setembro de 1850.
Em 1875, por renúncia dos tabeliães do Judicial e Notas, foram separadas as funções, permanecendo aqueles ofícios apenas como ofícios de Notas.
Primeiro Notariado
1) PERO DA COSTA (1565-1605)
Pero da Costa, primeiro tabelião da cidade do Rio de Janeiro, veio da Bahia na frota de Estácio de Sá, em 1560, para combater os franceses. Voltou a defender a cidade em 1565, estabelecendo-se com mulher e filhos. Era pai do padre Baltazar da Costa, que recebeu, em 17 de novembro de 1603, confirmação de uma sesmaria em Campo Grande. 2 Foi provido pelo governador-geral do Brasil, Mem de Sá, na propriedade dos ofícios de tabelião do Público e Judicial e Notas, em recompensa de seus serviços na armada de Estácio de Sá, bem como na edificação e defesa da cidade do Rio de Janeiro. 3 Em 20 de setembro de 1565, recebeu de Mem de Sá nova provisão, concedendo lhe a propriedade dos ofícios de escrivão das Sesmarias e tabelião de Notas da cidade do Rio de Janeiro, com a condição de largar o ofício de tabelião do Público e Judicial. 4 Pero da Costa recorreu contra a desanexação dos dois ofícios, mas não foi atendido por Mem de Sá.
Em 14 de setembro de 1566, tomou posse e prestou juramento dos novos ofícios perante o capitão-mor Estácio de Sá e o juiz Pedro Martins Namorado, quando fez, então, a renúncia do ofício de escrivão do Público e Judicial, 5 dando fiança para o exercício dos referidos cargos em 16 de setembro do mesmo ano. 6 Estácio de Sá, por provisão de 6 de novembro de 1566, encarregou-o da guarda do Selo das Armas da Cidade, 7 tendo sido confirmado nesta função por Mem de Sá, em 5 de abril de 1567,8 e, posteriormente, pelo governador do Rio de Janeiro, Salvador Correia de Sá, em 27 de agosto de 1569.
Legislação Sobre o Notariado
A profissão dos tabelliones, como diz Gama Barros, não representava, originariamente, entre os romanos, um cargo público; era apenas um modo de ganhar a vida redigindo as transações de quem não podia fazê-lo por si mesmo.
Talvez desde o fim da época clássica (107 a.C. a 235 d.C.), os particulares acostumaram-se a fazer redigir as suas convenções por oficiais públicos inferiores chamados tabelliones e, desde então, os instrumenta privata e os instrumenta publica foram atos distintos entre si. Apesar, porém, da qualificação de instrumenta publica, os atos redigidos por tabelliones não se tornavam autênticos senão depois de insinuados em registros próprios, nos cartórios judiciais.
No Código dos Visigodos, não se encontra a palavra tabellio, nem se exige, para a validade das escrituras, a intervenção de algum oficial público. Apenas numa lei aparecem algumas noções, mostrando-nos somente que, dos notários, uns eram particulares, outros públicos, outros do rei, e que somente os públicos, os do rei ou quem este determinasse podiam dar autenticidade a resoluções ou leis do imperante.
Antes do século XIII, não aparece, nos documentos relativos a territórios que já eram de Portugal, a intervenção de tabellio ou de notarius públicos. Havia, como entre os romanos, quem exercesse a profissão reduzindo a escrito os atos de direito privado, mas nem os outorgantes eram obrigados a recorrer ao seu serviço, nem o ofício lhes dava autoridade para que o documento se revestisse de fé pública. Estava de todo ausente o vocábulo tabelliones, e a maneira mais usual de indicá-los nos instrumentos consistia na declaração notavit, e só excepcionalmente a substituíam pela palavra notarius.
No século XIII, nos países sujeitos à influência do direito romano, diz Paul Fournier, os vocábulos notário e tabelião são sinônimos. 1 Em sentido equivalente a tabelião, notário ficou reservado, quase exclusivamente, aos notários apostólicos.
Até o fim do século XIII, decorre o período mais obscuro da história do tabelionato em Portugal. De origem hispânica, e talvez sob influência borgonhesa, a lei mais antiga que se conhece naquele país é o Regimento dos Tabeliães, dado por d. Dinis, a 12 e 15 de janeiro de 1305.
Em 1340, foram publicados 22 artigos relativos ao ofício de tabelião, pouco diferentes dos de 1305. D. João I, em período anterior a 1415, publicou uma lei em que, pela primeira vez, discriminavam-se as atribuições dos tabeliães do Paço, ou Notas, e das Audiências, ou Judiciais. Esta atribuía aos tabeliães de Notas quaisquer instrumentos que se fizessem sem intervenção de juiz, e aos do Judicial, aqueles atos que se realizavam na presença do magistrado ou por sua ordem.
A competência para dar fé pública aos atos em que intervinham era inerente tanto aos tabeliães do Judicial como aos das Notas, mas a carta de nomeação era o documento que fixava em qual desses ramos havia de ser prestado o serviço.
As leis sobre o notariado foram codificadas nas Ordenações Afonsinas, publicadas na regência do infante d. Pedro, em 1447 ou início de 1448. Estas foram modificadas pelas Ordenações Manuelinas, publicadas em 1521, e, finalmente, pelas Filipinas, publicadas em 1603.
Em Portugal, não se encontra ato de legislação anterior à lei de d. Fernando I – publicada em Atouguia, em 13 de setembro de 1375 –, em que se declare formalmente só ao rei pertencer o direito de acrescentar ou fazer tabeliães, mas já havia a obrigação de prestar juramento na Chancelaria antes da posse, pelo menos desde d. Dinis.
D. Afonso V confirma os privilégios concedidos pela lei de D. Fernando aos senhores feudais, mas limita esses direitos à apresentação de pessoa idônea e à confirmação do rei.
Era proibido servirem oficiais que não tivessem licença régia, sendo a pena, em tais casos, de morte para o oficial e de perda de toda a jurisdição para os senhores que o permitissem. Proibiam-se, também, a venda e o arrendamento do ofício. Os tabeliães, nomeados pelos reis e pelos senhores de terra e fidalgos a quem fossem concedidas cartas de privilégios ou doações, seriam vitalícios, apenas perdendo o ofício por sentença passada na Relação.
A jurisdição dos tabeliães limitava-se, com exceção dos gerais em Portugal, às cidades, vilas ou lugares para os quais eram nomeados. O número de tabeliães dependia da população e dos rendimentos. Na colônia, não havia regra. Alguns donatários, como o de São Jorge de Ilhéus, nomeavam vários tabeliães para a mesma vila.
Onde havia mais de um tabelião, era obrigatória uma imparcial distribuição, feita por um distribuidor ou pelo juiz do lugar. A correição competia ao juiz de direito ou ao corregedor da comarca. As leis antigas, baseando-se no chamado direito consuetudinário, permitiam a venda ou arrendamento dos ofícios vitalícios a quem eles eram dados.
Também era lícita a sucessão de pai para filho. Em caso de doença incurável, era concedida ao serventuário vitalício licença para nomear sucessor, dando-lhe a terça parte dos rendimentos.
Para a investidura no cargo, o direito português exigia limpeza de sangue, maioridade (25 anos), cidadania, bons serviços, partes ou suficiência (instrução), estado (casado), idoneidade moral, capacidade físico-mental, isenção de culpa crime (folha corrida) e ser do sexo masculino.
No Brasil, com a divisão em capitanias hereditárias, era dado aos donatários, pelos forais, o poder de criar vilas e seus ofícios de governança, inclusive os tabeliães, como se vê no foral de Duarte Coelho, para Pernambuco, e no de Martim Afonso de Sousa, para São Vicente.
Com o fracasso das capitanias hereditárias e a unificação do governo do Brasil em um governo geral, foram os direitos modificados. No foral dado a Tomé de Sousa, em 17 de dezembro de 1548, não aparecem os direitos de provimento dos ofícios, mas, dos usos posteriores e de algumas cartas, podemos inferir que o governador-geral tinha poderes para fazer tabeliães interinos, por um ano, devendo o agraciado recorrer ao rei para alcançar a confirmação e receber carta, assinada por Sua Majestade e passada pela Chancelaria Real.
A carta de Francisco Bicudo, de novembro de 1554, diz que ele já servia, por comissão de Tomé de Sousa, no tempo capitão e governador-geral. Também a carta de Aleixo Lucas, de 20 de março de 1559, reza que ele apresentou a carta de Gomes de Aguiar, que tinha os ditos ofícios, a qual lhe fora passada por Tomé de Sousa quando governador-geral das partes do Brasil.
Com o tempo, pelo costume dos reis de recompensarem, nos filhos dos oficiais, os serviços dos pais que bem servissem os ofícios sem erro nem culpa, introduziu-se, pela chamada lei consuetudinária, o uso de se conceder a propriedade hereditária dos ofícios de Justiça e Fazenda. Desse costume muito se valeram as viúvas e filhas dos proprietários falecidos, para se beneficiarem dos rendimentos dos ofícios para sua subsistência, dote de casamento ou entrada em convento.
As serventias dos ofícios de Justiça e Fazenda, se não fossem dadas pelo rei, eram providas pelos governadores-gerais, vice-reis do Estado do Brasil, em virtude dos regimentos da Relação da Bahia, de 7 de março de 1609, da Relação do Estado do Brasil, de 12 de setembro de 1652, e dos capítulos 7º e 38º do Regimento de Roque da Costa Barreto, datado de 23 de janeiro de 1677, por provisões anuais passadas em seu nome, e sem irem à Chancelaria, observando-se este estilo até fins do ano de 1688.
Carta régia de 6 de agosto de 1681 proibiu a acumulação do exercício de dois Ofícios e ordenou a quem estivesse nessa situação que renunciasse a um deles.
Foi recomendado ao governador-geral Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, por carta de 5 de outubro de 1689, o seguinte estilo: os governadores-gerais e vice-reis proviam os ditos ofícios por um ano, ficando o provido na obrigação de, nesse período, recorrer ao rei pedindo carta de ofício. Os capitães de Sergipe e Ilhéus proviam por três meses, e os de Pernambuco e Rio de Janeiro, por seis, recorrendo os providos ao governador-geral, que concedia o provimento por um ano.
O decreto de 18 de maio de 1722 introduziu o provimento por donativos dos Ofícios que vagassem e dos que se criassem e, enquanto não fossem providas as propriedades eram nomeados serventuários que contribuíam com a terça parte dos rendimentos, arbitrada por avaliação feita na Junta da Fazenda ou pelos governadores ou ouvidores das comarcas, dando-se disso fiança.
Fonte:
Nenhum comentário:
Postar um comentário